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Sendo as vicissitudes da vida corpórea ao mesmo tempo uma expiação das faltas passadas e provas para o futuro, segue-se que, da natureza dessas vicissitudes, possa induzir-se o gênero da existência anterior?

Muito frequentemente, pois cada um é punido naquilo em que pecou. Entretanto, não se deve tirar daí uma regra absoluta; as tendências instintivas são um índice mais seguro, porque as provas que um Espírito sofre, tanto se referem ao futuro quanto ao passado.

Comentário de Kardec: Chegado ao termo que a Providência marcou para a sua vida errante, o Espírito escolhe por ele mesmo as provas às quais deseja submeter-se, para apressar o seu adiantamento, ou seja, o gênero de existência que acredita mais apropriado a lhe fornecer os meios, e essas provas estão sempre em relação com as faltas que deve expiar. Se nelas triunfa, ele se eleva; se sucumbe, tem de recomeçar.

O Espírito goza sempre do seu livre-arbítrio. É em virtude dessa liberdade que, no estado de Espírito, escolhe as provas da vida corpórea e, no estado de encarnado, delibera o que fará ou não fará, escolhendo entre o bem e o mal. Negar ao homem o livre-arbítrio seria reduzi-lo à condição de máquina.

Integrado na vida corpórea, o Espírito perde momentaneamente a lembrança de suas existências anteriores, como se um véu as ocultasse. Não obstante, tem,às vezes, uma vaga consciência, e elas podem mesmo lhe ser reveladas em certas circunstâncias. Mas isto não acontece senão pela vontade dos Espíritos superiores, que o fazem espontaneamente, com um fim útil e jamais para satisfazer uma curiosidade vã.

As existências futuras não podem ser reveladas em caso algum, por dependerem da maneira por que se cumpre a existência presente e da escolha posterior do Espírito.

O esquecimento das faltas cometidas não é obstáculo à melhoria do Espírito porque, se ele não tem uma lembrança precisa, o conhecimento que delas teve no estado errante e o desejo que concebeu de as reparar guiam-no pela intuição e lhe dão o pensamento de resistir ao mal. Este pensamento é a voz da consciência, secundada pelos Espíritos que o assistem, se ele atende às boas inspirações que estes lhe sugerem.

Se o homem não conhece os próprios atos que cometeu em suas existências anteriores, pode sempre saber qual o gênero de faltas de que se tornou culpado e qual era o seu caráter dominante. Basta que se estude a si mesmo e poderá julgar o que foi, não pelo que é, mas pelas suas tendências.

As vicissitudes da vida corpórea são, ao mesmo tempo, uma expiação das faltas passadas e provas para o futuro. Elas nos depuram e nos elevam, se as sofremos com resignação e sem reclamações.

A natureza das vicissitudes e das provas que sofremos pode também esclarecer-nos sobre o que fomos e o que fizemos, como neste mundo julgamos os atos de um criminoso pelo castigo que a lei lhe inflige. Assim, este será castigado no seu orgulho pela humilhação de uma existência subalterna; o mau rico e avarento, pela miséria; aquele que foi duro para os outros, pelos tratamentos duros que sofrerá; o tirano, pela escravidão; o mau filho, pela ingratidão dos seus filhos; o preguiçoso, por um trabalho forçado etc.